O DL 134/2009 estabelece oito definições legais e utiliza dez conceitos fundamentais para a delimitação do objecto e âmbito de aplicação do respectivo regime jurídico.
Definições legais
No âmbito do DL 134/2009 é importante conhecer as definições de “centro telefónico de relacionamento”, “consumidor”, “profissional”, “serviços públicos essenciais”, “utente”, “prestador do serviço”, “suporte durável” e “período de espera em linha”.
Artigo 3º, al. a) – «Centro telefónico de relacionamento»
O art. 3.º-a) considera “centro telefónico de relacionamento“ a “estrutura organizada e dotada de tecnologia que permite a gestão de um elevado tráfego telefónico para contacto com consumidores ou utentes, no âmbito de uma actividade económica, destinado, designadamente, a responder às suas solicitações e a contactá-los, com vista à promoção de bens ou serviços ou à prestação de informação e apoio”.
A noção legal é construída a partir de seis elementos:
(i) um elemento orgânico-estrutural: “estrutura organizada”;
(ii) um elemento tecnológico: “dotada de tecnologia”;
(iii) um elemento quantitativo de tráfego: “permite a gestão de um elevado tráfego telefónico”;
(iv) um elemento relacional: “para contacto com consumidores ou utentes”;
(v) um elemento teleológico: “no âmbito de uma actividade económica” e
(vi) – um elemento objectivo: “responder às suas solicitações”1 ou “contactá-los2.
A noção legal especifica os dois grandes tipos de finalidades a alcançar no âmbito desse relacionamento: por um lado, a “promoção de bens ou serviços“ e, por outro lado, a “prestação de informação e apoio”.
A noção legal foi criticada, quer por utilizar conceitos vagos e de carácter indeterminado3, quer por incluir um elemento quantitativo em relação ao volume do tráfego telefónico4.
Se a utilização de conceitos vagos e de carácter indeterminado não é, por si só, criticável, já a utilização do critério do “elevado tráfego telefónico” merece alguns reparos, devendo este ser interpretado de uma forma muito ampla e no contexto concreto da realidade de cada CTR, quer porque o tráfego num mesmo CTR pode variar significativamente ao longo de períodos de tempo diferenciados, quer porque diferentes CTR existentes numa mesma entidade profissional podem ter volumes de tráfego muito diferentes, quer, finalmente, porque diferentes CTR de entidades profissionais diferentes, em função da concreta actividade económica, podem ter volumes de tráfego muito distintos.
Assim como o “elevado“ volume do tráfego telefónico não pode servir como elemento caraterizador da existência de um CTR, também a quantidade de recursos humanos do profissional afectados às operações de contacto com os consumidores e os utentes será irrelevante para a respectiva qualificação como CTR: a par de CTR com centenas de postos de trabalho serão admissíveis CTR com apenas um posto de trabalho.
A existência de um “sistema“ de CTR será na grande maioria das vezes revelada através da configuração dos seguintes elementos caracterizadores:
– o elemento orgânico-estrutural, enquanto infraestrutura centralizada, dotada de recursos humanos especializados e organizada de acordo com processos de trabalho e operação específicos;
– o elemento tecnológico, enquanto conjunto de sistemas e tecnologias de informação e de comunicação;
– o elemento de tráfego, enquanto volumes de interacção processados através do canal de comunicação telefónica e
– o elemento teleológico-relacional, enquanto finalidade de relacionamento com consumidores ou utentes, no âmbito de uma actividade económica.
Sempre que estejam presentes estes elementos indiciadores da existência de um CTR, será irrelevante para a sua concreta qualificação como tal a específica nomenclatura que lhe seja atribuída pelo profissional: independentemente do nome efectivamente atribuído5 ao centro de relacionamento, relevante para a sua inclusão no âmbito do regime jurídico do DL 134/2009 será a comprovação da existência dos quatro elementos fundamentais de um CTR.
Irrelevante também para a sua qualificação como CTR será a consideração do tipo de chamadas realizadas ou processadas pelo profissional6 – para a sua consideração, de acordo com a lei, será suficiente comprovar o elemento teleológico-relacional7, não restringindo a lei em função do tipo de chamadas concretamente realizadas.
Sempre que um profissional atribui a nomenclatura de CTR a uma unidade de operações dentro da instituição e a apresenta publicamente como tal, estaremos já dentro do âmbito de aplicação do regime jurídico do DL 134/2009. Caso atribua uma nomenclatura distinta ou não apresente essa unidade de operações como um CTR, haverá que averiguar a ocorrência fáctica dos elementos caracterizadores de um CTR, de acordo com os critérios do art. 3.º-a). A existência de um sistema organizado8 de CTR será concretizado através da demonstração dos respectivos elementos caracterizadores, sendo ónus do profissional a demonstração da respectiva inexistência9, para efeitos de aplicação do regime jurídico.
A principal dificuldade de delimitação do âmbito dos CTR está relacionada com a questão de saber se os tradicionais “centros de telefonistas”10 podem ou não ser considerados verdadeiros CTR para efeitos de aplicação do DL 134/2009. Deve entender-se que, por constituírem um estágio de desenvolvimento normal dos CTR e por realizarem funções típicas deste11, ainda que de menor complexidade, os “centros de telefonistas“ estão enquadrados na noção de CTR, aplicando-se o respectivo regime jurídico sempre que se verifique a existência dos elementos concretizadores da noção legal de CTR.
Artigo 3º, al. b) – «Consumidor»
Nos termos do art. 3.º-b), consumidor é “aquele assim definido nos termos do n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 24/96, de 31 de Julho”, que, por sua vez, define consumidor como “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
A noção de consumidor não tem qualquer especificidade no âmbito do RJCTR, estando já estudada pela doutrina jurídica12.
Artigo 3º, al. c) – «Profissional»
Nos termos do art. 3.º-c), profissional é “qualquer pessoa singular ou colectiva que exerça com carácter profissional uma actividade económica que vise a obtenção de benefícios e coloque à disposição do consumidor um centro telefónico de relacionamento”.
A noção de profissional do DL 134/2009 segue os termos gerais do art. 2.º-1 da LDC, merecendo apenas duas chamadas de atenção: por um lado, a expressa referência a pessoas singulares ou colectivas e, por outro lado, a limitação do universo aos profissionais que coloquem à disposição do consumidor um CTR.
Artigo 3º, al. d) – «Serviços Públicos Essenciais»
Nos termos do art. 3.º-d), são “serviços públicos essenciais os serviços assim definidos nos termos do artigo 1.º da Lei n.º 23/96, de 26 de Julho“ – Lei dos Serviços Públicos Essenciais13.
Nos termos do art. 1.º-2 da Lei 23/96, são os seguintes14 os serviços públicos abrangidos:
a) serviço de fornecimento de água;
b) serviço de fornecimento de energia eléctrica;
c) serviço de fornecimento de gás natural e gases de petróleo liquefeitos canalizados;
d) serviço de comunicações electrónicas15;
e) serviços postais;
f) serviço de recolha e tratamento de águas residuais;
g) serviços de gestão de resíduos sólidos urbanos.
Artigo 3º, al. e) – «Utente»
Nos termos do art. 3.º-e), é considerado “utente aquele assim definido nos termos do n.º 3 do artigo 1.º da Lei 23/96”, que, por sua vez, define utente como “a pessoa singular ou colectiva a quem o prestador do serviço se obriga a prestá-lo”.
A noção de utente tem uma amplitude subjectiva mais ampla do que a noção de “consumidor”16, uma vez que, enquanto a noção de “consumidor“ está limitada por um elemento teleológico (“destinados a uso não profissional”), a noção de “utente” abrange quer as pessoas singulares, quer as pessoas colectivas, e não está limitada teleologicamente pelo critério da afectação a uso não profissional.
De acordo com este conceito de utente, é importante sublinhar o facto de o RJCTR aplicar-se no âmbito do relacionamento telefónico entre os prestadores de serviços públicos essenciais e todas as outras pessoas colectivas.
Artigo 3º, al. f) – «Prestador do Serviço»
Nos termos do art. 3.º-f), é considerado “prestador do serviço aquele assim definido nos termos do n.º 4 do artigo 1.º da Lei 23/96, de 26 de Julho(…): “toda a entidade pública ou privada que preste ao utente qualquer dos serviços referidos no n.º 2, independentemente da sua natureza jurídica, do título a que o faça ou da existência ou não de contrato de concessão”.
A noção de “prestador do serviço” deve ser utilizada para referenciar a prestação de serviços públicos essenciais, delimitando o âmbito de aplicação do DL 134/2009 ao universo dos respectivos utentes.
É discutível a utilidade da utilização desta definição no contexto do DL 134/2009, quer porque o art. 1.º utiliza o conceito geral de “prestação de serviços (…) aos consumidores e utentes”, dando origem a alguma confusão conceptual, quer porque a noção não é utilizada autonomamente ao longo do articulado do DL 134/2009.
Artigo 3º, al. g) – «Suporte durável»
Nos termos do art. 3.º-g), é considerado “suporte durável“ qualquer “instrumento que permita ao consumidor armazenar informações de um modo permanente e acessível para referência futura e que não permita que as partes contratantes manipulem unilateralmente as informações armazenadas”.
Esta noção de “suporte durável”17 deve ser interpretada extensivamente de acordo com a noção de “suporte duradouro“ constante do art. 3.º-l): “qualquer instrumento, designadamente o papel, a chave Universal Serial Bus (USB), o Compact Disc Read-Only Memory (CD-ROM), o Digital Versatile Disc (DVD), os cartões de memória ou o disco rígido do computador, que permita ao consumidor ou ao fornecedor de bens ou prestador do serviço armazenar informações que lhe sejam pessoalmente dirigidas, e, mais tarde, aceder-lhes pelo tempo adequado à finalidade das informações, e que possibilite a respetiva reprodução inalterada”.
A utilização de suportes duráveis é particularmente importante no âmbito das operações realizadas nos CTR, uma vez que o relacionamento telefónico é realizado exclusivamente através de uma forma oral, havendo necessidade de recorrer a estes suportes para armazenar, aceder ou reproduzir as interacções realizadas.
Artigo 3º, al. h) – «Período de espera em linha»
Nos termos do art. 3.º-h), é considerado “período de espera em linha”, o “período que medeia entre o atendimento pelo centro telefónico de relacionamento ou, existindo menu electrónico, a escolha da opção de contacto com o profissional e o atendimento personalizado pelo profissional”.
É necessário distinguir o “período de espera em linha” de duas outras situações típicas que podem ocorrer antes da recepção e atendimento da chamada pelo sistema de gestão do atendimento das chamadas telefónicas do CTR:
– uma, é a impossibilidade absoluta de contacto telefónico e indisponibilidade do serviço, quer por motivos de avaria, quer, sobretudo, por ocupação de todos os canais telefónicos disponíveis18 – situação esta em que não existe qualquer tipo de espera anterior ao “período de espera em linha”,
– outra, é a situação em que o consumidor ou utente fica em espera ainda antes da recepção e atendimento da chamada pelo sistema de gestão do atendimento das chamadas telefónicas do CTR19 – situação esta em que existe um período de espera anterior ao “período de espera em linha”.
A monitorização e regulação da qualidade do serviço prestado ao consumidor ou utente exigiria uma distinção clara entre estes três tipos de situações20: em primeiro lugar, as situações de indisponibilidade ou impossibilidade absoluta de contacto, em segundo lugar, as situações de espera antes do atendimento e, finalmente, em terceiro lugar, as situações de espera após o atendimento.
Apesar de a lei não definir o que é o “atendimento pelo centro telefónico“ e o que é um “menu electrónico”21, duas situações distintas são configuráveis, em função da existência ou não de um “menu electrónico”:
(i) numa situação, em caso de existência de um menu electrónico, o “período de espera em linha“ será o período que medeia entre a escolha da opção de contacto com o profissional e o atendimento personalizado pelo profissional, sendo o procedimento realizado em cinco operações distintas sequenciais:
1º- a chamada é atendida pelo sistema de gestão do atendimento das chamadas telefónicas do CTR,
2º- seguidamente é disponibilizado um menu electrónico automatizado,
3º- seguidamente é feita a escolha da opção de contacto com o profissional,
4º- seguidamente o consumidor ou utente é colocado em fila de espera durante um determinado período de tempo e
5º- é, finalmente, realizado o atendimento personalizado.
(ii) noutra, em caso de inexistência de um menu electrónico, o “período de espera em linha“ será o período que medeia entre o atendimento pelo CTR e o atendimento personalizado pelo profissional, sendo o procedimento realizado em apenas três operações distintas:
1º- a chamada é atendida pelo sistema de gestão do atendimento das chamadas telefónicas do CTR,
2º- seguidamente o consumidor ou utente é colocado em fila de espera durante um determinado período de tempo e
3º- é, finalmente, realizado o atendimento personalizado.
Conceitos
O DL 134/2009 utiliza um conjunto de conceitos para os quais não estabelece definições, destacando-se a utilização de dez conceitos no texto do articulado: ”menu electrónico”, ”atendimento personalizado”, ”atendimento automático”, ”reencaminhamento da chamada”, ”registo em base de dados”, ”serviço de execução continuada ou periódica”, ”ónus da prova”, ”histórico do atendimento” e ”gravação de chamadas”.
Estes conceitos serão referenciados seguidamente, no quadro de compreensão do RJCTR.
- Correspondente ao tipo de contacto para recepção de chamadas – “inbound calls”, na terminologia inglesa.
- Correspondente tipo de contacto para emissão de chamadas – “outbound calls”, na terminologia inglesa.
- Cfr. (APCC, 2009) e (APRITEL, 2009a).
- Cfr. (APRITEL, 2009a), p. 3: “considera que a concretização deste conceito não deve ser efectuada por referência a um número específico de chamadas telefónicas, por ser um critério de difícil concretização e fiscalização, e que pode, aliás, variar no tempo, mas sim em função da finalidade efectiva dos canais de comunicação telefónicos disponibilizados pelas empresas aos consumidores ou utentes”.
- A nomenclatura utilizada é muito variada: “call center”, “contact center”, “customer service center”, “help-desk center”, “centro de telemarketing”, “centro de atendimento”, “linha de apoio”, “linha verde”, “linha azul”, “centro de assistência”, etc.
- É possível classificar os tipos de chamadas de acordo com variados critérios – a título exemplificativo, chamadas meramente informativas ou chamadas transacionais e chamadas com ou sem registo de dados.
- Em sentido diferente, com uma interpretação restritiva, considerando não aplicável o regime jurídico do DL 134/2009 às “linhas de atendimento com a finalidade de prestar informações gerais não específicas de produtos, serviços ou actividades do profissional, como sucede com informações sobre assinantes (serviços directórios), nem a linhas de atendimento através das quais se prestam serviços meramente informativos (por ex., informação sobre transportes, farmácias, números de telefone, etc.) ou se disponibilizam produtos que podem ser adquiridos à distância através do call center em causa”, cfr. (APRITEL, 2009a), p. 3-4.
- A propósito da importância da existência de um “sistema organizado” no quadro do regime dos contratos celebrados à distância, cfr. infra Cap. 12.
- Sobre a problemática da distribuição do ónus da prova no Direito do Consumo, cfr. (Teixeira, 2015), pág. 144 e ss..
- Os primeiros sistemas profissionais de relacionamento telefónico nascem com a criação dos centros de telefonistas durante a década de 1950, associados à utilização da tecnologia das primeiras centrais telefónicas, consolidando-se a partir da década de 1960, graças à invenção das tecnologias de “Private Automated Business Exchanges”. Os centros de telefonistas foram as primeiras estruturas centralizadas dotadas de tecnologia e de recursos humanos especializados para o tratamento de grandes volumes de tráfego telefónico, estando operacionalmente dedicadas à execução de funções e processos de atendimento ou contacto telefónico de carácter simples e generalista, designadamente:
– operações de recepção e reencaminhamento interno de chamadas telefónicas,
– operações de recolha e distribuição interna de mensagens telefónicas e
– operações de intermediação interna de emissão de chamadas.
Cfr., sobre esta noção, desenvolvidamente, (Melo, 2016d). - Designadamente, ao nível da recepção, atendimento ou reencaminhamento de chamadas telefónicas.
- Cfr., entre outros, (Almeida, 2005), (Carvalho, 2014) p. 15 e ss., (Duarte, 1999) e (Simões, 2012).
- Cfr., sobre a problemática dos serviços públicos essenciais, (Simões & Almeida, 2012), (Silva, 2008), (Monteiro, 2000), (Cardoso, 2010) e (Carvalho, 2014), p. 255 e ss..
- Acerca do debate sobre o carácter taxativo ou meramente exemplificativo da lista, cfr. (Carvalho, 2014), p. 257, (Monteiro, 2000), p. 339 e (Barbosa, 2004).
- Cfr., com relevância específica para o tema de investigação, a propósito da situação da telefonia móvel, (Carvalho, 2011).
- Cfr. o art. 2.º-1 da LDC: considera-se consumidor “todo aquele a quem sejam fornecidos bens, prestados serviços ou transmitidos quaisquer direitos, destinados a uso não profissional, por pessoa que exerça com carácter profissional uma atividade económica que vise a obtenção de benefícios”.
- Para desenvolvimentos adicionais sobre a noção de “suporte durável”, cfr. (Demoulin, 2000).
- Situação típica em que o número de telefone dá sinal de ocupado.
- Situação típica em que existe sinal de chamada, mas esta não é atendida.
- Para compreender a importância prática desta distinção, cfr., infra, Cap. 8.3.3.
- Cfr. infra, Cap. 8.4.